Por Prof. Dr. Renato Sabbatini
Diretor de Educação Digital ABCIS
PHD • CPHIMS • FACMI • FIAHSI
Alguém já disse que ter um prontuário eletrônico do paciente (também conhecido como PEP) isolado em uma instituição é como fazer propaganda colocando um outdoor no porão.
De fato, se você pensar bem, não faz muito sentido ter um PEP isolado, pois os dados e informações dizem respeito a uma entidade única: o ser biológico. Para que eles alcancem todo o seu potencial e sejam altamente efetivos, os PEPs deveriam trocar informações entre si e ser centrados no paciente, ou seja, idealmente todas as informações médicas e de saúde sobre minha pessoa deveriam ser armazenadas e estar facilmente disponíveis em um lugar centralizado, de forma que qualquer profissional que me atendesse pudesse visualizar imediatamente toda minha história clínica, independentemente do local, instituição de saúde ou outro profissional qualquer que tenha me atendido ao longo de minha vida.
Por exemplo: imaginem como seria útil ter disponível na rede, de forma segura, uma lista centralizada de todos os meus problemas de saúde, organizados cronologicamente e identificados de uma forma inambígua por exemplo, usando o CID ou o CIAP). Todas minhas anamneses passadas estariam disponíveis para todos os provedores, que não teriam que levantar a história clínica e familiar novamente a cada consulta ou internação. O mesmo ocorreria com a lista de medicamentos passados, ativos e aprazados, com o histórico de exames e procedimentos solicitados, e assim por diante. Os benefícios seriam tremendos para todos!
Para sairmos do discurso e vislumbrando as maiores tendências em saúde, a palavra-chave é interoperabilidade (ou interoperacionalidade, um termo mais correto em português). E o que é isso? É a funcionalidade que permite que os diferentes PEPs, que são heterogêneos em tudo, desde o nome dos campos e seus conteúdos até a sua arquitetura e usabilidade, sejam capazes de integrar e intercambiar dados e informações entre si, relativos a um determinado sujeito da atenção (ou paciente).
E como isso é alcançado, realizado? Muito simples, mas ao mesmo tempo um grande desafio a ser alcançado, uma vez que no Brasil os PEPs, em sua maioria, são estanques, não se comunicam entre si nem na mais elementar forma. Mas, com esse objetivo em mente, estamos progredindo.
Em países como o Canadá 90% dos cidadãos têm o seu prontuário unificado usando as operações e padrões de interoperabilidade. Isso é factível por meio de duas providências obrigadas pelo governo central: primeiro, uma identificação unívoca para cada cidadão (no Brasil já a temos: é o CNS, do SUS, um modelo de dados e de identificação do Cartão Nacional de Saúde, que deve ser usado tanto na saúde pública quanto na suplementar. Sem ele não é possível interoperar os dados centrados no paciente. Depois, uma via de informação chamada barramento, que é como uma estrada por onde circulam esses dados entre os diferentes PEPs. No Canadá, ela se chama, apropriadamente, de Canada Health Infoway. É exatamente esse o modelo que o Brasil está seguindo. Já temos ambos os recursos tornados obrigatórios e em fase de implementação.
O próximo passo seria utilizar padrões de informação nacionais e internacionais que unifiquem a representação das informações demográficas e clínicas, de forma clara, aberta e adotada consensualmente por todos (isso, no Brasil, significa haver um mandato legal, como aconteceu com o TISS: Troca de Informações em Saúde Suplementar, mas que serve apenas o componente de cobranças e pagamentos de contas médicas). Esses padrões são definidos por entidades chamadas Organizações Desenvolvedoras de Padrões (SDO, da sigla em inglês), cujo maior exemplo são a Organização Mundial de Saúde (OMS) e a fundação HL7 International (Health Level Seven, um termo técnico para a sétima camada de interoperabilidade, a dos softwares aplicativos). Existem testes e certificações que garantem que um PEP seja interoperável e esse é o futuro!
O Ministério da Saúde, desde 2011, vem definindo e publicando paulatinamente cerca de 12 padrões de interoperabilidade que irão possibilitar que ela seja atingida em sua forma mais básica, como o já mencionado CNS, o CMD (Conteúdo Mínimo de Dados em Saúde), o Registro de Atendimento, o Registro de Alta e o Repositório de Terminologias em Saúde (RTS), entre outros. Participam desse projeto, que é regulamentado por um Plano Nacional Estratégico de e-Saúde (saúde eletrônica, ou digital), publicado em 2017, várias organizações importantes, como o próprio MS, o DATASUS, a ABNT, a Sociedade Brasileira de Informática em Saúde (SBIS), os Conselhos Federais das profissões de saúde, as Agências Nacionais de Vigilância em Saúde (ANVISA) e de Saúde Suplementar (ANS), entre outras.
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Proporcionar uma introdução compacta e intensiva às noções, aplicações, tecnologias, padrões e projetos nacionais de interoperabilidade entre sistemas de informação à saúde, incluindo padrões funcionais, semânticos e operacionais em uso no mundo e no Brasil, barramentos de interoperabilidade (HIE), e certificação de interoperabilidade (HL7, IHE, etc).
Serão tratados sucintamente padrões como: HL7 V2, V3, FHIR, RIM, CDA e IPS, openEHR, CID 10 e CID 11, CIAP, LOINC, SNOMED CT, TiSS/TUSS, EN 13606, padrões de interoperabilidade DATASUS, RNDS, RES UNIMED, APIs em interoperabilidade, XML e JSON, entre outros.
Vários fabricantes de prontuários eletrônicos que são líderes de mercado, como o Tasy, da Philips, já estão adotando e se adaptando a esses padrões HL7 e os mandados pelo governo, o que nos permite vislumbrar um caminho fascinante e altamente resolutivo para um futuro próximo.Os próximos padrões de interoperabilidade a serem adotados dirão respeito à integração do PEP com plataformas on-line de acesso a conhecimento clínico, como e-books, revistas eletrônicas, repositórios de imagens, sistemas de apoio à decisão diagnóstica e terapêutica, calculadoras médicas. Isso causará uma revolução com um impressionante potencial, pois transformará o PEP de um arquivador de informações a um sistema de auxílio ativo ao seu usuário (por exemplo, sendo capaz de referenciar um artigo ou capítulo de livro, imagens comparativas, interações medicamentosas etc., no momento que isso é necessário, no chamado ponto de atenção (antes, durante ou após uma consulta, por exemplo). Já existem plataformas extremamente completas para isso, como o Clinical Key, da Elsevier. Os padrões serão necessários para fazer a integração das mesmas com os PEPs, de modo que o usuário não precise sair do programa para fazer uma pesquisa por palavras-chave, por exemplo. O Instituto HL7 Brasil está promovendo a adoção desses padrões, comoo FHIR, o Infobutton, os Order Sets, os Care Plans e oCDS Hooks.
Apesar da sopa de letrinhas, o futuro da interoperabilidade é altamente promissor!
Sobre o Autor
Prof. Dr. Renato Sabbatini
Diretor de Educação Digital ABCIS
PHD • CPHIMS • FACMI • FIAHSI
O autor é cientista biomédico, graduado e doutorado pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP). Foi professor dessa faculdade e também da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e fundador e diretor do Núcleo de Informática Biomédica dessa universidade, sendo um reconhecido especialista em nível internacional em aplicações da tecnologia de informação em medicina. É também fundador e vice-presidente do Instituto HL7 Brasil. Contato: www.renato.sabbatini.com
Originalmente publicado em Philips Health IT Magazine, 18: 14–15, 2018.
Copyright © 2019 Renato Marcos Endrizzi Sabbatini
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